Brasil: Piquiá foi à luta por seus direitos, e não está sozinha

08/05/2019
Communiqué
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Lançamento de Relatório

São Luís – Novo relatório da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) Justiça nos Trilhos e Associação Comunitária dos Moradores do Piquiá sobre a indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia revela a persistência de violações pela ação e omissão tanto de agentes públicos como privados, incluindo a Vale S.A, principal fornecedora do minério de ferro e transportadora do ferro gusa produzido pelas siderúrgicas.

O relatório faz uma avaliação que revela a falta de implementação das recomendações formuladas, oito anos, em 2011, aos atores responsáveis e um incentivo ao progresso obtido pela comunidade em sua luta pelo reconhecimento e pela reparação das violações aos seus direitos. O caso de Piquiá é emblemático sobre as consequências dramáticas do modelo de desenvolvimento que tem colocado os interesses econômicos sobre os direitos humanos, e deve ser um incentivo para pensar um modelo alternativo que permita a satisfação plena dos direitos de todos.

Em un contexto de recente flexibilização da legislação ambiental e de falta de medidas de controle e de punição, as empresas operam à margem do marco normativo. Ainda que as violações da legislação ambiental tenham sido constatadas pelos órgãos competentes, algumas siderúrgicas operam sem licenças ambientais e as estruturas daquelas já desativadas estão se deteriorando a céu abierto, com consequências irreversíveis sobre o meio ambiente e os moradores das comunidades mais próximas.

Adicionalmente, a contribuição econômica das empresas à reparação é quase inexistente, e até agora não tem havido um reconhecimento formal da responsabilidade pelas violações de direitos humanos documentadas, o que abre a possibilidade de que essas violações persistam.

“As empresas agem segundo o principio de que as pessoas não conhecem seus direitos e não estão organizadas para lutar por eles. A gente escolheu não aceitar o papel de cidadãos de segunda classe que as empresas quiseram nos impor e foi por isso que conseguimos algumas conquistas. A história de Piquiá mostra que as tragédias de Mariana e de Brumadinho não são casos isolados mas sim o resultado de um padrão de conduta que precisa mudar urgentemente.”

Joselma Alves de Oliveira, da Associação Comunitária dos Moradores do Piquiá

O estudo revela que, apesar do progresso alcançado no processo de reassentamento de 312 famílias de Piquiá de Baixo (cerca de 1.110 pessoas), com o início das obras em novembro de 2018, a convivência com a poluição e os demais riscos associados segue deteriorando a saúde dos mais de 7.500 moradores de todo Piquiá.

Segundo a FIDH e Justiça nos Trilhos, nenhuma das 39 recomendações foi plenamente efetivada e, em 74,4% das mesmas, não foi identificado nenhum avanço em relação ao que foi recomendado, o que significa que nenhuma das violações de direitos humanos documentadas em 2011 tem sido reparada integralmente.

“Na medida em que a reparação pelas empresas seja feita exclusivamente con a finalidade de evitar sanções sociais, econômicas, reputacionais e de outra índole, e que o Estado Brasileiro seja incapaz de monitorar e sancionar as violações, o Brasil não estará à altura dos estândares de conduta empresarial responsável da OCDE”

afirmou Maria Isabel Cubides, representante da FIDH.

As instituições públicas não vêm demonstrando capacidade nem vontade de enfrentar de forma estratégica os problemas derivados da contaminação ambiental, limitando-se a responder a esses problemas de forma passiva, apenas quando provocadas por manifestações das pessoas atingidas, o que se demonstra insuficiente.

Os principais avanços têm sido possíveis graças ao enorme trabalho da comunidade que soube construir seu protagonismo. O papel das pessoas defensoras de direitos humanos tem sido crucial na luta pela reparação integral. O Estado deve proporcionar garantias de um ambiente seguro e propício para a defesa dos direitos humanos.

Diante dos escassos avanços concretos, este relatório se apresenta não somente como um instrumento de denúncia como também marca um ponto de partida para uma série de ações de incidência e comunicação que permitirão dar-lhe uma maior visibilidade internacional a esta problemática, e evitar sobretudo que as numerosas situações de abuso identificadas se repitam.

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