UE: Tem de utilizar o Artigo 7.º agora para proteger valores europeus

18/06/2021
Communiqué
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É necessária uma acção concertada para combater as ameaças ao Estado de Direito na Polónia e Hungria.

Bruxelas – Os ministros dos assuntos europeus devem colocar os governos da Hungria e da Polónia sob aviso em como não pode haver lugar para ataques ao Estado de Direito na EU, e devem intensificar o seu escrutínio das políticas abusivas em matéria de direitos humanos destes dois países, afirmaram hoje a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, a Comissão Internacional de Juristas (ICJ), a Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH), a Open Society European Policy Institute (OSEPI) e os Repórteres sem Fronteiras (RSF).

Os ministros dos Estados-Membros da UE, reunidos na sessão do Conselho de Assuntos Gerais a 22 de Junho de 2021, vão discutir as situações na Polónia e Hungria ao abrigo do procedimento do artigo 7.º. O artigo 7.º é o mecanismo previsto no Tratado da UE para responsabilizar os governos cujas acções ameaçam o Estado de Direito, os Direitos Humanos, e os princípios democráticos do bloco europeu.

"As acções da Polónia e da Hungria mostram que deixar as violações do Estado de Direito sem controlo, mina as instituições democráticas e acaba por afectar os direitos humanos e a vida de todos nesses países", disse Philippe Dam, director de defesa dos direitos humanos da Europa e da Ásia Central da Human Rights Watch.

"As audiências de 22 de Junho são um bom começo, mas muito mais é necessário para provar a determinação dos Estados-Membros em proteger os valores democráticos da UE e reafirmar, alto e bom som, que não há lugar na UE para aqueles que os renegam."

Elena Crespi, Directora do Programa da Europa Ocidental da FIDH

A retoma das audiências sobre as situações na Hungria e Polónia ao abrigo do artigo 7.º é um forte sinal do Conselho de que as violações dos princípios da UE não passarão despercebidas no seio da União, afirmaram as Organizações. Mas os ministros dos assuntos europeus têm a responsabilidade de recuperar o tempo perdido e mostrar que estão preparados para tomar novas medidas à medida que as situações em ambos os países continuam a deteriorar-se.

A Comissão Europeia invocou o artigo 7.º em Dezembro de 2017 pela primeira vez desde a sua criação, em resposta à dramática erosão da independência judicial na Polónia levada a cabo pelo governo do Partido da Lei e Justiça (PiS). Mas o Conselho da UE, composto pelos Estados-Membros, não realiza uma audiência formal sobre esta situação desde Setembro de 2018.

O Parlamento Europeu desencadeou o artigo 7.º em Setembro de 2018 contra a Hungria, devido aos repetidos ataques deliberados às instituições democráticas e aos direitos humanos por parte do governo liderado pelo Fidesz, mas o Conselho não convoca uma audiência sobre o assunto desde Dezembro de 2019. Os funcionários da UE alegaram que as discussões relacionadas com o artigo 7.º não puderam ter lugar durante a pandemia de Covid-19, alegadamente porque os ministros da UE não puderam reunir-se pessoalmente durante este período.

Embora a acção da UE tenha estagnado, o governo da Polónia continuou a reforçar o seu controlo sobre o poder judicial. Muitos juízes e procuradores enfrentaram processos disciplinares arbitrários por se oporem a reformas judiciais problemáticas. O governo utilizou um Tribunal Constitucional politicamente comprometido para contornar as objecções parlamentares aos seus esforços para minar instituições independentes e corroer os direitos de uma forma generalizada. As preocupações sobre o funcionamento do tribunal incluem, em particular, a incorrecta tramitação dos processos pelo seu presidente e alterações ilegais na composição das suas bancadas de audiência, já designadas.

Em Outubro de 2020, a pedido do governo polaco, o Tribunal Constitucional comprometeu gravemente o acesso das mulheres polacas aos direitos sexuais e reprodutivos, ao alargar a proibição ao aborto existente, para incluir casos de "defeitos fetais graves e irreversíveis ou doenças incuráveis que ameacem a vida do feto". Em Abril, o governo utilizou o mesmo tribunal para suspender o mandato do Provedor dos Direitos Humanos do país, apesar dos atrasos na nomeação de um sucessor para o cargo. O governo encontra-se igualmente a utilizar este Tribunal Constitucional para obter decisões que colocam em causa a validade da Convenção de Istambul para a prevenção da violência contra as mulheres e para tentar minar a natureza vinculativa das decisões do Tribunal de Justiça da UE sobre o direito polaco.

Na Hungria, o governo utilizou a pandemia de Covid-19 como pretexto para intensificar os seus ataques ao Estado de Direito e às instituições públicas, aumentar o poder executivo e limitar os direitos humanos, incluindo os direitos à liberdade de expressão, informação e reunião pacífica. A Hungria cumpriu finalmente a decisão do Tribunal da UE de Junho de 2020, revogando uma lei de 2017 que obrigava as organizações da sociedade civil que recebem mais de 20.000 EUR por ano em fundos estrangeiros a registarem-se como financiadas por estrangeiros. Mas em paralelo, o governo introduziu uma nova lei que exige que o Gabinete Nacional de Auditoria do Estado efectue inspecções financeiras anuais às organizações da sociedade civil que reportam mais de 55.000 EUR, com o risco inerente de se poder criar um novo método para demonizar e obstaculizar o trabalho das entidades fiscalizadores da sociedade civil. O projecto de lei deixa a controversa lei de 2018 intocada, que criminaliza os grupos que prestam assistência aos requerentes de asilo.

Em Julho de 2020, o editor-chefe do maior diário independente online da Hungria, Index.hu, foi despedido como resultado de uma aquisição financeira da empresa que controla as suas receitas, por uma pessoa com ligações estreitas ao partido no poder do país. Em Setembro, o Conselho dos Meios de Comunicação Social, um regulador de emissões ligado ao executivo após controversas alterações aprovadas no início da década, revogou a frequência da estação de rádio independente de Budapeste Klubradio, forçando-a a sair do ar. A 9 de Junho, a Comissão Europeia abriu um novo processo legal contra a Hungria com base no facto de a decisão de retirar a Klubradio do ar ter sido discriminatória e anti-transparente.

Grupos da sociedade civil na Polónia, Hungria e noutros países da UE criticaram o Conselho Europeu e a Comissão Europeia por não terem defendido os valores fundadores do bloco europeu, de respeito pelos direitos humanos e pelo Estado de Direito em países que os violem.

Em Dezembro, a UE estabeleceu um novo mecanismo que condiciona o acesso ao financiamento comunitário ao respeito pelo Estado de Direito, mas tanto a Comissão Europeia como o Conselho sucumbiram à chantagem da Hungria e da Polónia e anunciaram que apenas começariam a aplicar a medida no Outono. A 10 de Junho, o Parlamento Europeu decidiu levar a Comissão Europeia a tribunal, caso esta se atrasasse ainda mais a implementar este mecanismo.

Os ministros dos assuntos europeus devem continuar a convocar reuniões regulares sobre as situações na Polónia e na Hungria e tomar todas as medidas disponíveis ao abrigo do artigo 7.º para responsabilizar ambos os governos por violarem os valores fundamentais da UE. Estas devem incluir a adopção de recomendações específicas sobre o Estado de Direito que os governos da Polónia e da Hungria devem levar a cabo dentro de um prazo estabelecido, sendo que, caso não se verifiquem medidas concretas para o seu cumprimento, se deve trabalhar no sentido de obter os quatro quintos (4/5) dos votos necessários para determinar que existe um risco claro de uma grave violação dos valores protegidos pelo tratado da UE. Uma tal decisão abriria a possibilidade de aplicação de sanções por parte do Conselho, por unanimidade, para reagir a esta violação.

"Após anos a arrastar os pés, é importante que os Estados da UE se unam finalmente para escrutinar a situação na Polónia e na Hungria", afirmou Eve Geddie, Chefe do Gabinete das Instituições Europeias na Amnistia Internacional.

"Os Estados da UE têm o dever de agir em conjunto para travar o esvaziamento das instituições públicas e os ataques ao Estado de Direito na Polónia, na Hungria e em qualquer outro Estado-Membro que ameace os valores europeus fundamentais", disse Natacha Kazatchkine, Analista Política Sénior do Open Society European Policy Institute.

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