Angola: Carta aberta expressando preocupação sobre ameaças de morte e intimidação a membros da sociedade civil e de um organismo religioso na província do Cuando Cubango

19/05/2020
Lettre ouverte
en pt

CARTA ABERTA CONJUNTA

A Sua Excelência, João Manuel Gonçalves Lourenço
Presidente da República de Angola

Cc: Sua Excelência Sr. Francisco Manuel Monteiro Queiroz, Ministro da Justiça e Direitos Humanos

Cc: Sua Excelência Sr. Eugênio César Laborinho, Ministro do Interior

Cc: Sua Excelência Sr. Júlio Marcelino Vieira Bessa, Governador da Província do Cuando Cubango

19 de Maio de 2020

Sua Excelência,

ASSUNTO: Carta aberta expressando preocupação sobre ameaças de morte e intimidação a membros da sociedade civil e de um organismo religioso na província do Cuando Cubango

Nós, organizações da sociedade civil abaixo assinadas, escrevemos a V. Ex.ª a fim de expressarmos a nossa preocupação relativamente aos relatos de perseguição, actos intimidatórios e detenção arbitrária de defensores dos direitos humanos que continuam a ocorrer na província do Cuando Cubango, nomeadamente membros da organização não governamental Missão de Beneficência Agropecuária do Kubango, Inclusão, Tecnologia e Ambiente (MBAKITA). No Cuando Cubango, membros da sociedade civil, que intervêm para defender e promover os direitos das minorias étnicas e alertar para a inquietante ocupação das terras das populações indígenas e comunidades tradicionais, têm sido alvo de intimidação, perseguição, ameaças de morte, agressões e morte suspeita.

Agressões no local de trabalho e em casa

A MBAKITA e os seus membros têm estado sob vigilância crescente desde o início de 2019 e têm sofrido várias agressões às mãos das autoridades locais em consequência do seu trabalho de defesa dos direitos das minorias étnicas. A MBAKITA dedica-se a este trabalho há mais de 18 anos.

Homens armados não identificados assaltaram a casa de Pascoal Baptistiny, director-geral da MBAKITA, em 17 e 23 de Abril e 11, 12 e 13 de Maio. Nestas ocasiões, os homens entraram na casa do Sr. Baptistiny, ataram as mãos dos dois seguranças e levaram diverso equipamento electrónico, incluindo três computadores, uma câmara de vídeo, cartões de memória e telemóveis.

Em 15 de Abril de 2020, a Amnistia Internacional publicou uma queixa sobre as agressões físicas e a detenção arbitrária de nove activistas da MBAKITA durante uma campanha de prevenção da Covid-19 na província do Cuando Cubango. No dia seguinte, Pascoal Baptistiny, director-geral da MBAKITA recebeu um telefonema anónimo com a mensagem: “Sabemos qual é o veículo que tem ido às comunidades e vamos cortar-te as pernas”. Na noite de 16 de Abril, o carro da associação foi vandalizado, impossibilitando praticamente a deslocação dos membros da MBAKITA até às comunidades. Em 17 de Abril, cerca da 01h30 da madrugada, três homens armados e com máscaras entraram na casa do Sr. Baptistiny, na cidade de Menongue, a capital da província. Imobilizaram os dois seguranças da sua casa e levaram dois computadores, uma câmara de vídeo, cartões de memória e telemóveis.

Este assalto não foi o primeiro ataque contra a MBAKITA. Em 2018 e 2019, os escritórios da MBAKITA foram assaltados por homens não identificados, que levaram dez computadores, duas câmaras e seis cartões de memória. A sala de formação e investigação dos escritórios está agora desmantelada e com capacidade de trabalho limitada, devido à falta de equipamento.

Na noite de 28 de Abril de 2020, três homens não identificados assaltaram a Rádio Ecclesia, uma estação de rádio católica, e vandalizaram o equipamento de difusão. A rádio católica ficou impossibilitada de transmitir noticiários independentes entre 29 e 30 de Abril de 2020.

Detenções arbitrárias e outros maus-tratos

Em 9 de Abril de 2020, agentes da polícia espancaram dois activistas da MBAKITA com cassetetes, quando estes se dirigiam aos escritórios da organização para irem buscar materiais de prevenção da Covid-19. Receamos que os activistas tenham sido perseguidos apenas por estarem ligados à MBAKITA e ao seu trabalho.
Em 2 de Abril de 2020, cerca das 11h00, nove activistas da MBAKITA, que distribuíam informação sobre a Covid-19 e produtos de protecção à população indígena San e às comunidades tradicionais da zona rural dos municípios de Menongue, Mavinga, Cuito e Rivungo da província do Cuando Cubango, foram atacados com cassetetes e ameaçados com armas de fogo pela polícia, que depois os deteve e prendeu. Foram libertados oito horas mais tarde, sem acusação formal.

Intimidação e perseguição

Os activistas da MBAKITA recebem regularmente telefonemas anónimos com ameaças de morte devido ao seu trabalho para defender os direitos das minorias étnicas e denunciar a corrupção na região. Por exemplo, em 2019, a MBAKITA divulgou informações sobre o suposto desvio de fundos que deveriam ter sido utilizados para auxiliar as populações indígenas e as comunidades tradicionais que sofriam os impactos da seca. Após estas denúncias, os activistas começaram a receber um número crescente de telefonemas anónimos a ameaçá-los de morte.

Os autores destes telefonemas lançaram avisos deste género: “Conhecemos o Sr. Pascoal ... se continuar a falar sobre as questões da população San, você e a sua família podem desaparecer”; “Os escritórios vão ser assaltados e não há nada que possa fazer para o impedir, por isso não perca tempo a participar o caso à polícia”; “Pare com isto ou você morre e a sua família também”; “A comunidade indígena não precisa de um salvador”.

Após o assalto à casa do Sr. Pascoal, em 17 de Abril, vários activistas da MBAKITA reportaram que receberam telefonemas anónimos intimidatórios, ordenando-lhes que parassem de trabalhar para a organização. Em consequência disto, 17 activistas deixaram de trabalhar para a organização por temerem pelas suas vidas.

Morte suspeita de um defensor de direitos humanos

Em Maio de 2019, o Padre Domingos Paulo Kasanga, geralmente conhecido como Caridoso, morreu de um ataque cardíaco. Os colegas suspeitaram que tinha sido vítima de envenenamento, porque, dias antes da sua morte, tinha celebrado a missa da Páscoa e, durante a mesma, tinha criticado o governo pelas deploráveis condições de vida das comunidades San em Angola. Depois da missa, o Padre Kasanga recebeu um telefonema anónimo de alguém que lhe disse “Vais morrer dentro de 72 horas”. O Padre Kasanga informou os seus colegas sobre a chamada e, três dias mais tarde, foi encontrado morto. Não foi realizada autópsia. Receando mais intimidação, os seus colegas optaram por não denunciar as circunstâncias suspeitas da sua morte e as ameaças que tinha recebido. Não houve investigação à sua morte, em particular se tinha sido alvo de ataque devido ao seu trabalho de direitos humanos.

A intimidação, perseguição e ataques cada vez mais frequentes aos defensores dos direitos humanos no Cuando Cubango visam impedi-los de fazer o seu trabalho. Esta situação é particularmente preocupante no contexto da pandemia de Covid-19, pois as campanhas de auxílio humanitário e sensibilização para a prevenção do vírus proporcionadas pela MBAKITA (e outras organizações da sociedade civil) são essenciais para garantir a segurança das comunidades mais marginalizadas e isoladas.

Estamos preocupados com a intimidação, ameaças e criminalização repetidas dos que, com o seu trabalho de direitos humanos pacífico e legítimo, procuram oferecer ajuda às populações indígenas e às comunidades tradicionais. As autoridades têm a obrigação de dar uma resposta eficaz às ameaças, ataques, perseguição e intimidação aos defensores dos direitos humanos e, nos casos relevantes, proceder a uma investigação completa, imediata e independente às violações de direitos humanos contra eles, bem como de apresentar os suspeitos da sua autoria à justiça através de julgamentos equitativos.

Neste período de pandemia, a colaboração entre a sociedade civil e o governo pode ser benéfica para os que necessitam destas acções conjuntas, devendo portanto ser estimulada e facilitada. É do interesse dos Estados e da sociedade em geral reconhecer, proteger e equipar os defensores dos direitos humanos para o desempenho do seu trabalho de importância crucial para mitigar os impactos mais duros da crise e assegurar que ninguém fique para trás.

Apelamos portanto a V. Ex.ª para que tome todas as medidas necessárias para que o Sr. Pascoal Baptistiny e os outros activistas da MBAKITA recebam a protecção adequada que lhes permita prosseguir o seu trabalho livremente e sem receio de represálias. Apelamos ainda a V. Ex.ª para que assegure que as autoridades realizem uma investigação imediata, independente e imparcial aos ataques, agressões, ameaças de morte e intimidação contra a Rádio Ecclésia, o Sr. Pascoal Baptistiny e os activistas da MBAKITA.

Exortamos por fim V. Ex.ª a garantir um ambiente seguro e favorável que permita aos defensores dos direitos humanos continuar pacificamente o seu trabalho de direitos humanos.

Agradecemos desde já a atenção de V. Ex.ª para estas matérias de extrema importância.

Atenciosamente,

Lire la suite

  • Co-signataires

    Amnesty International
    Centro Democracia e Desenvolvimento (CDD)
    CIVICUS
    FIDH, in the framework of the Observatory for the Protection of Human Rights Defenders
    FREEDOM HOUSE
    Friends of Angola
    FRONTLINE DEFENDERS
    MBAKITA
    OMUNGA
    Solidariedade Moçambique (SOLDMOZ-ADS)
    Southern African Human Rights Defenders Network
    Southern Africa Litigation Centre (SALC)
    World Organisation Against Torture (OMCT), in the framework of the Observatory for the Protection of Human Rights Defenders


Agir

lettreouverte