Urgência em travar a escalada rumo à guerra civil

Uma missão da FIDH agora regressada de Abidjã traça um quadro extremamente inquietante da situação vivida na Costa do Marfim. Segundo as conclusões da missão, diversos indícios apontam para as primícias de uma guerra civil. A FIDH alerta a comunidade internacional para o perigo de não desenvolver quaisquer esforços no sentido de pôr um fim à crise, sob pena de se tornar espectadora de um drama humano que todos os dias origina numerosas vítimas. A repressão e os confrontos teriam já provocado mais de 350 mortos e dezenas de desaparecimentos forçados.

Na sua nota de regresso de missão, a publicar na semana que vem, a FIDH dá conta de confrontos armadas ocorridos todos os dias em vários bairros de Abobo, Koumasi, Yopougon e Abidjã, entre os elementos das forças de defesa e de segurança (FDS), fiéis a Laurent Gbagbo, com o apoio supletivo de milicianos, e o « commando invisível » pró-ouattara. Os responsáveis pela missão recolheram depoimentos de numerosos civis que fugiam a bombadeamentos, combates de rua, extorsões, assassínios ou ainda detenções arbitrárias.

« A situação no país é muito grave. Os combates travam-se continuamente. Há dois dias que não tenho água nem electricidade. Quase que não saímos de casa. Tudo se tornou complicado: as escolas encerraram, o mercado está quase deserto e os preços dispararam. Arranjar comida já se torna impossível » declarou à missão uma pessoa que acabava de partir do bairro Colatier, em Abobo.

Os discursos incendiários, proferidos sobretudo pela facção Gbagbo e principalmente pelo ministro da juventude do governo Gbagbo, Sr. Charles Blé Goudé, difundidos por certos meios de comunicação social, são seguidos de actos e violência perpetrados contra a população e contra as forças das Nações Unidas. Enquanto prosseguem os combates, vai-se travando outra « guerra » encarniçada, dos meios de comunicação social e da comunicação. Artigos insultuosos contra o presidente Ouattara, a instigação ao ódio contra a ONU e os estrangeiros, por um lado, e a recente destruição do emissor da rádiotelevisão marfinense (RTI), pelo outro, demonstram a determinação das duas facções em adoptar uma estratégia de tensão. A agravar a situação, no dia 25 de Fevereiro, o Conselho Nacional da Imprensa (CNP) – organismo regulador da imprensa marfinense, cujos anteriores, considerados demasiado reticentes relativamente à política de Laurent Gbagbo foram demitidos das suas funções em princípios de Fevereiro e, depois, substituídos por homens mais próximos deste – anunciou a suspensão por uma semana do diário Le Nouveau Réveil, e impôs uma multa de 2 milhões de francos CFA aos jornais Le Patriote, Le Jour Plus e Nord-Sud Quotidien, todos próximos de Ouattara.

As liberdades públicas e individuais encontram-se sujeitas a controlo : a liberdade de circulação está restringida nomeadamente pelos Jovens Patriotas e por milicianos armadas, a liberdade de imprensa é desrespeitada e a liberdade de expressão dependente da pertença a um lado ou a outro. Neste contexto, os defensores dos direitos humanos que tentam fornecer informação objectiva sobre a situação sofrem ameaças com regularidade.

A crise política nascida do contencioso eleitoral, o embargo e as manobras do clã Gbagbo para manter o controlo sobre a economia mergulham o país numa situação económica e social dramática. Os marfinenses têm os nervos em franja. Neste contexto, quaisquer reacções populares correm o risco de tornar-se totalmente descontroladas.

Perante esta situação, a mediação da União Africana atingiu um impasse e a Missão da Organização das Nações Unidas na Costa do Marfim (ONUCI) mostra-se incapaz de cumprir o seu mandato de protecção da população civil.

« A recusa de Laurent Gbagbo em abandonar o poder conduz o país à guerra. A situação está a degenerar e a sua responsabilidade, bem como dos seus partidários, estão comprometidas, incluindo face ao direito penal internacional » declarou Roger Bouka, Secretário-Geral da FIDH que participou na missão enviada à Costa do Marfim.

« A União Africana não tem o direito a fracassar na Costa do Marfim. A mediação deve resultar, com urgência, numa solução que garanta o respeito pela vontade popular expressa pelos marfinenses nas urnas. Qualquer outro resultado constituiria um aval passado às aventuras antidemocráticas e às soluções conflituosas em todo o continente », declarou Sidiki Kaba, Presidente honorário da FIDH.

Neste momento, as Nações Unidas já se encontram entravadas no seu mandato de protecção da população civil. Qual seria a sua capacidade de intervenção em caso de generalização do conflito? Existe o risco de que a organização se veja relegada para o papel de espectadora do drama marfinense. « A ONUCI deve ver imediatamente reforçadas as suas capacidades de intervenção – nomeadamente com o envio dos 2000 capacetes azuis suplementares previstos na resolução 1967 do Conselho de Segurança e que ainda não foram posicionados no terreno – e agir com uma atitude interveniente e não defensiva; uma Comissão de Inquérito internacional deve poder deslocar-se ao país o mais depressa possível a fim de investigar as graves violações registadas; e o procurador do tribunal penal internacional deve abrir inquérito sobre os crimes cometidos na Costa do Marfim », afirmou Souhayr Belhassen, presidente da FIDH.

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