Numa altura em que o prolongamento do resgate à Grécia foi negociado com o Eurogroup e a Grécia se encontra em período de eleições presidenciais, o relatório assinala que o que encolheu na Grécia e em outros países europeus, para além dos orçamentos públicos, foi o espaço para os direitos e as liberdades individuais.
“As medidas adoptadas pela Grécia para satisfazer as exigências dos seus credores são uma prova da prontidão, ao nível nacional e internacional, para sacrificar quase tudo em prol da recuperação económica” declarou o presidente da FIDH, Karim Lahidji, em Atenas para o lançamento do relatório. “Embora aceitemos que circunstâncias excepcionais exigem respostas excepcionais, a forma como as políticas foram adoptadas e executadas neste contexto falhou nitidamente no respeito pelas normas internacionais”, acrescentou.
As metas draconianas para a redução do défice e da dívida estabelecidas pela Troika foram alcançadas essencialmente através de cortes da despesa pública, o que inclui aspectos essenciais como o emprego e os cuidados de saúde, sem qualquer consideração pela necessidade de preservar níveis mínimos e satisfazer um núcleo duro de obrigações relativamente a estes direitos. Por conseguinte, as autoridades negligenciaram os efeitos sociais desastrosos que os programas acordados com a Troika iriam muito provavelmente produzir e foram incapazes de resolver situações subjacentes – em particular em matéria de acesso equitativo aos direitos sociais e económicos - que esses efeitos vieram agravar. Com efeito, o impacto das medidas nos direitos humanos nunca foi considerado pela Grécia ou pela Troika.
A ênfase exclusiva nas metas económicas e financeiras revelou-se prejudicial para um mercado de trabalho e um sistema de saúde já fragilizados. Cortes maciços no emprego no sector público e a incapacidade de dar resposta a necessidades sociais fundamentais decorrentes da crise conduziram a uma subida rápida do desemprego, o qual atingiu níveis sem precedentes de 28% (Setembro de 2013) e de 60,8% nos jovens (Fevereiro de 2013), até baixar para 25,7% e 49,3%, respectivamente. Além disso, vieram exacerbar desigualdades já existentes, com as categorias mais vulneráveis a pagar o preço mais elevado pelo acesso reduzido ao trabalho e pelo agravamento das condições de trabalho. O salário mínimo foi reduzido a partir de Fevereiro de 2012 (quando foi negociado o segundo resgate) em 22% para todos os trabalhadores com mais de 25 anos e em 32% para os trabalhadores com menos de 25 anos, enquanto reformas destinadas a tornar o mercado de trabalho mais "flexível" reduziram significativamente a protecção dos direitos dos trabalhadores. A austeridade aumentou inequivocamente a desigualdade.
O acesso a cuidados de saúde básicos foi igualmente reduzido em resultado dos cortes no orçamento público da saúde e nos serviços e programas de saúde. Os médicos afirmam que por vezes é necessário recusar doentes ou adiar cirurgias importantes devido ao número reduzido de camas nos hospitais e aos cortes realizados a recursos humanos já sobrecarregados e insuficientes, entre outros motivos. Este facto, juntamente com dificuldades acrescidas em contratar seguros de saúde, especialmente no caso dos desempregados, dificultou significativamente o acesso aos cuidados de saúde, apesar das reformas recentes que visaram assegurar o acesso a serviços públicos para todos. Mais uma vez, os grupos vulneráveis, designadamente mulheres, imigrantes e jovens, carregam o fardo mais pesado, como revela o relatório.
“Ao contrário das finanças, os direitos humanos e as liberdades fundamentais não podem beneficiar de resgates internacionais” afirmou Konstantinos Tsitselikis, Presidente da HLHR. “As políticas económicas e orçamentais têm ignorado ostensivamente os seus efeitos sociais devastadores e as autoridades não têm conseguido assegurar a ajuda social necessária.”
Os direitos civis e políticos foram igualmente enfraquecidos. A agitação social despoletada por uma agenda de austeridade em cuja concepção a população geral não foi envolvida – num desrespeito gritante por todos os canais regulares de tomada de decisão – e a deterioração das condições de vida têm tido como resposta uma repressão violenta e bruta por parte das autoridades, com os incidentes a serem raramente investigados e os responsáveis quase nunca incriminados. Os grupos de extrema direita, com destaque para o partido neonazi Aurora Dourada, reúnem cada vez mais apoiantes, aproveitando-se do descontentamento das pessoas e numa agenda forte contra a austeridade. A atitude do governo face às crescentes críticas também tem sido de crescente autoritarismo, tornando o ambiente social e profissional dos meios de comunicação independentes e outras vozes discordantes cada vez mais opressivo. Este clima conduziu, no Verão de 2013, ao encerramento da transmissora pública de rádio e televisão ERT, que instigou a indignação pública dentro e fora da Europa.
Destacando os desafios que o país enfrenta e comparando-os com as normas internacionais de direitos humanos, o relatório procura realçar que o que começou como uma crise económica e financeira se transformou num assalto sem precedentes aos direitos humanos e aos princípios democráticos em todos os países que sofreram um destino equivalente. Exorta todos os intervenientes a enfrentarem estes desafios e a reverem uma abordagem que ameaça as fundações que sustentam a UE e os seus Estados-membros.
Embora o Estado grego seja o principal responsável pelas violações de direitos humanos ocorridas no seu território, ao imporem medidas anticrise, a UE e o FMI têm igualmente violado as suas obrigações ao abrigo do direito internacional. Da mesma forma, os Estados-membros da UE, que ajudaram a formar a Troika e apoiaram as suas propostas, também falharam na sua obrigação de ajuda a Grécia a cumprir os seus compromissos em matéria de direitos humanos. Concretamente, a UE infringiu a obrigação de respeitar, proteger e promover os direitos humanos, previstos nos seus próprios tratados fundadores e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. “Duvido sinceramente que qualquer questão relativa aos direitos humanos alguma vez tenha sido encarada aquando da criação e execução dos planos de "resgate" do país. Pelo contrário, as violações de direitos humanos são aparentemente encaradas como danos colaterais aceitáveis num contexto alargado de gestão da crise, ou como resposta merecida ao "problema da Grécia". Ora isto é simplesmente inadmissível”, concluiu Dimitris Christopoulos, Vice-Presidente da FIDH.
FIDH Report - Downgrading rights: the cost of austerity in Greece