Brasil

Quanto Valem os Direitos Humanos? – Os impactos sobre os direitos humanos da indústria mineira e siderúrgica em Açailândia

Os moradores da comunidade de Piquiá de Baixo e do assentamento Califórnia, localizados no município de Açailândia, no Maranhão, sofrem com a poluição causada pelas carvoarias e usinas siderúrgicas de ferro-gusa que operam a poucos metros de suas casas. São mais de vinte anos de poluição em Piquiá, e quase dez em Califórnia. Além das guseiras responsáveis pelos danos diretos às comunidades, a Vale desempenha um papel crucial em todo o processo. Protagonista do Projeto Grande Carajás (PGC, elaborado quando a empresa ainda era estatal), a Vale controla toda a cadeia de produção. É ela que extrai o minério de ferro no estado do Pará, o transporta por centenas de quilômetros pela Estrada de Ferro Carajás, vende parte da produção às guseiras instaladas em cidades como Açailândia, e posteriormente transporta o ferro-gusa para exportação.

O relatório « Quanto Valem os Direitos Humanos? – Os impactos sobre os direitos humanos da indústria mineira e siderúrgica em Açailândia » analisa os impactos da mineração e da siderurgia na saúde e no meio ambiente das comunidades estudadas, chamando a atenção para o lado esquecido em projetos de desenvolvimento deste tipo. Os mesmos moradores que há anos se mudaram para a região na esperança de uma vida melhor, são aqueles que agora, sem perspectivas, sofrem diariamente com a poluição ao redor. Além disso, as conclusões do relatório destacam as dificuldades no acesso a informações sobre estudos de impacto ambiental, as dificuldades de obtenção de reparação judicial, bem como o assédio moral e judicial enfrentados pelos defensores dos direitos humanos que denunciam os impactos negativos ligados às atividades da Vale.

Uma semana antes de Murilo Ferreira assumir a diretoria da Vale, o relatório cobra da empresa e de seus parceiros comerciais ações imediatas de reparação às comunidades, incluindo o reassentamento de Piquiá de Baixo. Como forma de prevenir futuros abusos – e sem ignorar que as negociações para a expansão da Estrada de Ferro Carjás estão adiantadas – os autores incluíram uma série de recomendações às empresas, às autoridades governamentais e ao BNDES, principal financiador de projetos de mineração e siderurgia na região.

Representantes da FIDH estão no Brasil e, em conjunto com a Justiça Global, a Justiça nos Trilhos e as comunidades de Piquiá de Baixo e Califórnia, integram uma missão internacional que acontece desde segunda-feira (16) até o dia 23 de maio. Estão agendadas audiências com autoridades e com representantes da Vale, das guseiras e do BNDES em que serão apresentadas as conclusões do relatório e discutidas as suas recomendações. Uma vez que a responsabilidade das empresas com o respeito aos direitos humanos é hoje reconhecida a nível internacional, a FIDH, a Justiça Global e a Justiça nos Trilhos esperam que medidas concretas sejam tomadas por todos os agentes envolvidos, a fim de garantir os direitos das comunidades afetadas pela indústria da mineração e siderurgia.

Resumo do relatório :

Resumo-do-relatorio

Relatório completo :

Relatório completo - Quanto Valem os Direitos Humanos?

OS DIREITOS HUMANOS, PRIMEIROS ESQUECIDOS PELO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Ontem foi realizada uma audiência convocada pelo Ministério Púbico do Estado do Maranhão sobre o processo de reassentamento das 320 famílias da comunidade de Piquiá de Baixo, em Açailândia, que desde mais de vinte anos sofre com a contaminação ambiental causada pelas indústrias siderúrgicas localizadas na região. Participaram representantes de quatro Secretarias Estaduais, do município de Açailândia, do Sindicato das Indústrias Siderúrgicas do Estado do Maranhão (SIFEMA). Na mesa de negociação, não se fez presente a Vale, maior empresa de mineração do mundo, que celebrava a poucas quadras do local da reunião a chegada do maior barco do mundo encomendado à empresa sul-coreana Daewoo. Contudo e apesar de sua ausência, criticada por todos os atores presentes, o encontro permitiu que se chegasse a um acordo entre o Município de Açailândia e o SIFEMA para a desapropriação – dentro do prazo de 30 dias – do terreno escolhido para o reassentamento da comunidade de Piquiá de Baixo. A reunião também resultou no estabelecimento de um cronograma para próximas audiências com o objetivo de monitorar o plano de reassentamento, incluindo o plano de urbanização e de infraestrutura. Também serão realizadas reuniões específicas do MPE e DPE com o Estado e com a Vale, para que estes não declinem de suas responsabilidades e assumam compromissos concretos, com prazos definidos, para a resolução dos problemas da comunidade.

Em 18 de maio, a Federação Internacional dos Direitos Humanos, a Justiça Global e a rede Justiça nos Trilhos publicaram o relatório “Quanto Valem os Direitos Humanos? Os impactos sobre os direitos humanos relacionados à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia”, que analisa os danos à saúde causados pelas atividades da Vale e empresas vinculadas nas comunidades de Piquiá de Baixo e do assentamento Califórnia, no estado do Maranhão. O relatório requer à empresa e seus sócios a por fim à contaminação ambiental na região. A publicação foi apresentada em São Luis, Brasília e Rio de Janeiro para representantes do Ministério Público Federal, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e dos Ministérios de Saúde, Meio Ambiente e Minas e Energia, assim como suas contrapartes em nível estadual e municipal, tendo alcançado significativa repercussão na imprensa nacional e internacional. Não obstante, a Vale se negou a se reunir com os representantes de nossas organizações.

Por outra parte, no dia de hoje, a FIDH remeteu uma Carta Aberta à Presidenta da República Dilma Roussef com o propósito de manifestar seu profundo desacordo ante a recusa do governo brasileiro a cumprir as medidas cautelares emitidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para a suspensão da construção da hidrelétrica de Belo Monte, projeto do qual consórcio a Vale passou a formar parte (com 9%) depois de um investimento estimado em 1,45 bilhões de dólares. As medidas cautelares da CIDH solicitam ao Estado brasileiro suspender a construção de Belo Monte, no estado do Pará, até que se realize as devidas consultas com as comunidades indígenas que seriam afetadas por este projeto e até que adote medidas para proteger a vida, saúde e integridade pessoal de seus membros.

É extremamente preocupante que o Estado brasileiro não adote as medidas necessarias para prevenir, impedir e condenar as violáceos de direitos humanos cometidas pelas empresas transnacionais envolvidas na implementação de megaprojetos de desenvolvimento e que, ao invés disso, privilegie e inclusive legitime as atividades destas empresas em detrimento do direito à saúde, a um ambiente sano, à integridade pessoal e à vida das comunidades que vivem nos territórios onde se pretende construir tais projetos.

Recordando que o Estado brasileiro deveria ser o garantidor de um desenvolvimento econômico que respeite plenamente os direitos humanos, instamos às autoridades brasileiras a acatar as medidas cautelares emitidas pela CIDH, suspendendo a construção da hidrelétrica de Belo Monte, assim como a investigar as violações de direitos humanos cometidas pelas empresas da cadeia minero-siderúrgica e a garantir a reparação das pessoas e comunidades atingidas.

De forma geral, instamos ao Estado brasileiro a exercer um maior controle sobre as atividades das empresas transnacionais e seus impactos, especificamente em matéria social e ambiental, assim como garantir o direito à consulta prévia, livre e informada das comunidades, de acordo com suas obrigações constitucionais e internacionais.

Carta aberta : Usina hidrelétrica de Belo Monte

Sra. Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil

Sra. Presidenta,

Antes de tudo, receba nossa cordial saudação. Nós, da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), viemos por meio desta manifestar nosso desacordo com a rejeição demonstrada diante das medidas cautelares emitidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em favor da suspensão da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.

Gostaríamos de expressar nossa profunda discordância com o desprezo aos direitos dos povos indígenas na construção da usina. Ao recordar que o Estado Brasileiro deve acatar suas obrigações neste assunto, as medidas cautelares emitidas pela CIDH se increvem no marco normativo internacional vigente sobre direitos de povos indígenas. A este respeito, recordamos especificamente do Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, bem como da Declaração das Nações Unidas sobre Direitos de Povos Indígenas, também adotada pelo país, que consagram o direito à consulta das comunidades indígenas previamente à aprovação de um projeto que lhes afete, e que esta aprovação está subordinada a seu consentimento prévio, livre e informado. Na mesma linha, a Declaração e Programa de Ação de Viena estabelece que “o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente” [1]. Não obstante, no caso de Belo Monte, as comunidades indígenas não foram devidamente consultadas e existem sérios riscos à vida, à integridade pessoal e à saúde de seus membros como consequência da construção da barragem.

Recordamos também que se, por um lado, um caso somente pode ser enviado à CIDH após o esgotamente dos recursos legais internos, por outro, as medidas cautelares emitidas têm um caráter vinculante aos Estados membros da OEA signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos. Por isso, repudiamos as declarações do governo brasileiro que afirmam que as medidas cautelares seriam “injustificadas e precipitadas” devido à ausência do esgotamento dos recursos legais internos, e insistimos em sua plena legitimidade e vigência.

Também nos preocupa que, em função da emissão destas medidas cautelares, tenham sido anunciados a suspensão da presença brasileira na CIDH em 2012 e a contribuição financeira anual para este organismo. Efetivamente, nos parece de suma importância para o fortalecimente da democracia nas Américas que o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos conte com a participação da maior potência sulamericana, e que conte com uma representação de língua portuguesa.

Cremos que o Brasil, assim como todos os países sulamericanos, podem alcançar um desenvolvimento econômico com respeito aos direitos humanos. Para isso, solicitamos que reconsidere sua posição com relação à suspensão das relações do Brasil com a CIDH, e que cumpra as medidas cautelares emitidas, suspendendo a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte até que se realizem devidamente as consultas às comunidades afetadas, e que se adotem medidas para proteger a vida, a saúde e a integridade pessoal de seus integrantes.

Agradecendo sua atenção e confiando que a Sra. tomará a decisão adequada, subscrevemos respeitosamente,

Souhayr Belhassen
Presidenta da FIDH

Brasil deve investigar as atividades ilegais de espionagem e infiltração que comprometem a empresa Vale

A partir de 2008 e até o presente momento, Vale S.A. estaria mantendo uma rede de inteligência para espionar diversas organizações sociais nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará e Maranhão. Teria realizado este trabalho através de escutas telefônicas, interceptação de e-mails, levantamento de informações sigilosas do INFOSEG (sistema do Estado brasileiro que reúne dados pessoais de segurança sobre processos judiciais e mandados de prisão), informações bancárias e declarações de renda, elaboração de dossiês sobre a vida privada de pessoas e de relatórios de inteligência e obtenção de informações concedidas por funcionários públicos em troca de propinas. Também teria contratado os serviços de empresas privadas de inteligência para infiltrar agentes em tais organizações. Em particular, Vale S.A. teria contratado agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), composta de ex-militares e herdada do órgão de inteligência da ditadura, para formar pessoal para se infiltrar na Rede Justiça Nos Trilhos e no Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).

Diante dessa situação, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal do Brasil convocou uma audiência hoje, da qual participaram o Ministério de Justiça, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério Público Federal, a testemunha principal com seu advogado, a CNBB, Justiça Global, Justiça Nos Trilhos e a FIDH. A empresa Vale S.A., apesar de ter sido convocada, não compareceu.

Javier Mujica, encarregado de missão da FIDH, declarou: “Parece-nos lamentável que Vale não tenha se apresentado a uma audiência tão importante. Voltamos a solicitar à Vale que tome todas as medidas para que estas atividades ilegais de interceptação e infiltração não continuem ocorrendo.”

Por sua vez, Gabriel Strautman, da Justiça Global, afirmou: “O Estado brasileiro deve proteger seus cidadãos contra as violações de seus direitos humanos cometidas no seu território pelas empresas, assim como adotar as medidas apropriadas para prevenir, investigar, punir e reparar esses abusos, conforme os Princípios Rectores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos.”

Sobre a audiência de hoje, Danilo Chammas, da Rede Justiça Nos Trilhos, declarou: “Acolhemos com satisfação a seriedade com que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal recebeu as acusações contra Vale.” Efetivamente, esta se comprometeu a solicitar ações efetivas dos diferentes atores do Estado responsáveis pela investigação dos fatos, comunicar com todas as autoridades competentes e solicitar à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre espionagem do Congresso Nacional que não somente investigue as atividades de espionagem entre Estados, como o escândalo de PRISM, mas também as atividades de espionagem realizadas pela Vale.

BRASIL: Vale e Belo Monte sob suspeita de espionagem: a Justiça tem que investigar

Considerando a insatisfatória reação do Estado brasileiro sobre as supostas atividades ilegais de espionagem e infiltração realizadas por empresas transnacionais contra movimentos e organizações da sociedade civil, a FIDH e a OMCT, no marco do Observatório para a Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, realizaram uma missão de investigação no Brasil, de 9 a 14 de fevereiro de 2014.

Durante o desenvolvimento da missão, os integrantes se entrevistaram tanto com as vítimas como com organizações sociais, representantes do Governo, das instituições jurídicas, parlamentares e com responsáveis do Consorcio Construtor de Belo Monte e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Os testemunhos e os documentos obtidos parecem confirmar que Vale e Belo Monte incorreram em delitos de corrupção, acesso a informação confidencial, gravações clandestinas, usurpação de identidade, aceso ilícito a bancos de dados públicos e demissão injustificada de empregados. Esses delitos teriam ocorrido com a cumplicidade de agentes do Estado. Alguns documentos demonstram subornos a agentes do Estado e um possível apoio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) no caso de Belo Monte e de agentes da ABIN licenciados no caso da Vale, tudo isso contra atores e ONGs considerados por essas empresas como possíveis travas em suas atividades.

A missão denunciou a falta de avanços nas investigações acerca desses fatos, que foram denunciados ao Ministério Público desde março de 2013. Os encarregados de missão também conclamaram a Presidenta Dilma Roussef a uma maior coerência, denunciando publicamente, no mesmo nível, tanto esta espionagem como aquela do “Caso Snowden”.

Jimena Reyes, responsável pelo Escritório para as Américas da FIDH e encarregada da missão do Observatório, declarou que “a questão da espionagem praticada pelas empresas multinacionais contra os movimentos sociais no Brasil põe em cheque o respeito dessas empresas aos direitos humanos. Estas atuações têm como efeito o de minar a liberdade de expressão e o direito de divergir, pilar essencial de um Estado democrático”.

O advogado Alexandre Faro, outro encarregado de missão, explicou que “a ausência de regulação do fenômeno de privatização da inteligência pelas empresas facilita o cometimento de delitos contra a sociedade civil”, e que “o poder das multinacionais exige um contrapeso judicial e legal forte para impedir novos desvios deste tipo”.

Um relatório da missão será publicado nos próximos meses e apresentará conclusões e recomendações detalhadas ao Governo do Brasil, atores não estatais, organizações internacionais, representações diplomáticas, assim como mecanismos nacionais, regionais e internacionais de proteção dos direitos humanos.

Comunidade de Piquiá de Baixo – Brasil informa aos Procedimentos Especiais da ONU sobre falta de avanços no caso de mais de 300 famílias vítimas de poluição

Joselma apontou à falta de medidas concretas a serem tomadas para reduzir os graves efeitos da poluição sobre a saúde da comunidade e comentou sobre a falta de avanços nas medidas reparatórias do projeto de reassentamento coletivo estabelecido entre o Estado, a comunidade afetada e as empresas responsáveis. Em seu testemunho, foi assessorada por representantes da Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH), e pelo Missionário Comboniano pe. Dário Bossi, membro da rede Iglesias y Minería.

Depois desses encontros, a Sra. Joselma e pe. Dário continuarão sua viagem de advocacy em Europa com duas outras atividades. Primeiro discutirão as consequências da produção de ferro-gusa sobre a saúde com o Istituto dei Tumori, uma instituição europeia que pesquisa sobre as doenças provocadas pela poluição. A Associação Comunitária dos Moradores do Pequiá pediu a colaboração do Istituto, que resultou na publicação desse estudo sobre a saúde dos moradores do bairro.
Em seguida, está previsto um encontro no Vaticano com o Card. Peter Turkson, Presidente do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, sobre a necessidade de apoio a todas as comunidades que sofrem os violentos impactos da mineração em América Latina.

Mais informações sobre o caso:

Piquiá de Baixo é um povoado de cerca 1.100 habitantes, no Estado do Maranhão, onde altos níveis de emissões poluentes e águas contaminadas são liberados por empresas de produção de ferro-gusa e aço operantes ao lado das casas.

Há mais de vinte anos, os moradores são vítimas de doenças respiratórias, aos olhos e à pele, câncer e diversos tipos de incidentes provocados por atividades industriais que não respeitam medidas de cuidado com a saúde e a segurança.

Nos últimos dez anos, a comunidade de Piquiá de Baixo está lutando por imediata reparação, mitigação da poluição e reassentamento coletivo numa área limpa e em boas condições de saúde.

FIDH, Justiça Global e Justiça nos Trilhos publicaram em 2011 um Relatório sobre o caso de Piquiá de Baixoe desde então estão apoiando a comunidade em busca de responsabilização e reparação pelas violações identificadas.

Em 2014 os Procedimentos Especiais da ONU e o Grupo de Trabalho sobre Direitos Humanos e Transnacionais e outras empresas enviaram uma Comunicação Oficial ao Governo brasileiro pedindo informações sobre as graves violações de direitos humanos que afetam a comunidade.

BRASIL: Alarmante aumento de ataques contra defensores de direitos relacionados à terra

No 08 de dezembro de 2018 foram mortos os Srs. José Bernardo da Silva e Rodrigo Celestino, membros do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no acampamento Dom José Maria Pires, localizado em Alhandra (Estado da Paraíba) por vários indivíduos encapuzados e fortemente armados. Somente em 2018 pelo menos 13 militantes do MST foram mortos. Além disso, atualmente, pelo menos, 152 acampamentos do MST estão sob ameaça de despejo.

Nossas organizações destacam a existência de um padrão estrutural de violência e impunidade em torno dos conflitos territoriais. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) nos 1438 conflitos territoriais ocorridos entre 1985 e 2017 no Brasil, houveram 1.904 assassinatos dos quais apenas 113 foram respostas do sistema de justiça, marcando a impunidade de 92%.

Estes assassinatos recentes fazem parte de um clima de forte criminalização e deslegitimação pelas autoridades brasileiras contra os povos indígenas, quilombolas e o MST. Durante o ano de 2018, o presidente eleito Jair Bolsonaro se referiu a esses grupos como inimigos que devem ser combatidos e os caracterizou como "terroristas", "indolentes" ou "vagabundos". Além disso, durante um discurso após os resultados do primeiro turno das eleições Bolsonaro disse que iria "acabar com todas os ativismos no Brasil" e expressou a sua intenção de terminar o trabalho das organizações da sociedade civil.

Com base no exposto, o Observatório, a Justiça Global e o Comitê Brasileiro de Defensores e Defensores de Direitos Humanos condenam fortemente o assassinato de José Bernardo da Silva e Rodrigo Celestino e mostrar a sua profunda preocupação com as afirmações criminalizadoras e deslegitimadoras do presidente eleito do Brasil contra a sociedade civil e, especificamente, contra organizações e comunidades que defendem os direitos relacionados à terra. Nossas organizações lembram que o trabalho de pessoas e organizações que defendem os direitos humanos é fundamental para garantir a democracia e o Estado de Direito e que o Brasil tem a obrigação internacional de garantir o direito de defender os direitos humanos e garantir a proteção das pessoas defensoras.

Para mais informações, por favor contatar:
· OMCT: Miguel Martín: + 41 22 809 49 39
· FIDH: Samuel Hanryon (Frances, Ingles): + 33 6 72 28 42 94 / José Carlos Thissen (Español): + 51 95 41 31 650
· Justiça Global: Antonio Neto + 55 (21) 980418631 (portugués e espanhol)
· CBDDH: Gisele Barbieri +55 (61) 981759054

Brasil: Piquiá foi à luta por seus direitos, e não está sozinha

O relatório faz uma avaliação que revela a falta de implementação das recomendações formuladas, oito anos, em 2011, aos atores responsáveis e um incentivo ao progresso obtido pela comunidade em sua luta pelo reconhecimento e pela reparação das violações aos seus direitos. O caso de Piquiá é emblemático sobre as consequências dramáticas do modelo de desenvolvimento que tem colocado os interesses econômicos sobre os direitos humanos, e deve ser um incentivo para pensar um modelo alternativo que permita a satisfação plena dos direitos de todos.

Em un contexto de recente flexibilização da legislação ambiental e de falta de medidas de controle e de punição, as empresas operam à margem do marco normativo. Ainda que as violações da legislação ambiental tenham sido constatadas pelos órgãos competentes, algumas siderúrgicas operam sem licenças ambientais e as estruturas daquelas já desativadas estão se deteriorando a céu abierto, com consequências irreversíveis sobre o meio ambiente e os moradores das comunidades mais próximas.

Adicionalmente, a contribuição econômica das empresas à reparação é quase inexistente, e até agora não tem havido um reconhecimento formal da responsabilidade pelas violações de direitos humanos documentadas, o que abre a possibilidade de que essas violações persistam.

“As empresas agem segundo o principio de que as pessoas não conhecem seus direitos e não estão organizadas para lutar por eles. A gente escolheu não aceitar o papel de cidadãos de segunda classe que as empresas quiseram nos impor e foi por isso que conseguimos algumas conquistas. A história de Piquiá mostra que as tragédias de Mariana e de Brumadinho não são casos isolados mas sim o resultado de um padrão de conduta que precisa mudar urgentemente.”

Joselma Alves de Oliveira, da Associação Comunitária dos Moradores do Piquiá

O estudo revela que, apesar do progresso alcançado no processo de reassentamento de 312 famílias de Piquiá de Baixo (cerca de 1.110 pessoas), com o início das obras em novembro de 2018, a convivência com a poluição e os demais riscos associados segue deteriorando a saúde dos mais de 7.500 moradores de todo Piquiá.

Segundo a FIDH e Justiça nos Trilhos, nenhuma das 39 recomendações foi plenamente efetivada e, em 74,4% das mesmas, não foi identificado nenhum avanço em relação ao que foi recomendado, o que significa que nenhuma das violações de direitos humanos documentadas em 2011 tem sido reparada integralmente.

“Na medida em que a reparação pelas empresas seja feita exclusivamente con a finalidade de evitar sanções sociais, econômicas, reputacionais e de outra índole, e que o Estado Brasileiro seja incapaz de monitorar e sancionar as violações, o Brasil não estará à altura dos estândares de conduta empresarial responsável da OCDE”

afirmou Maria Isabel Cubides, representante da FIDH.

As instituições públicas não vêm demonstrando capacidade nem vontade de enfrentar de forma estratégica os problemas derivados da contaminação ambiental, limitando-se a responder a esses problemas de forma passiva, apenas quando provocadas por manifestações das pessoas atingidas, o que se demonstra insuficiente.

Os principais avanços têm sido possíveis graças ao enorme trabalho da comunidade que soube construir seu protagonismo. O papel das pessoas defensoras de direitos humanos tem sido crucial na luta pela reparação integral. O Estado deve proporcionar garantias de um ambiente seguro e propício para a defesa dos direitos humanos.

Diante dos escassos avanços concretos, este relatório se apresenta não somente como um instrumento de denúncia como também marca um ponto de partida para uma série de ações de incidência e comunicação que permitirão dar-lhe uma maior visibilidade internacional a esta problemática, e evitar sobretudo que as numerosas situações de abuso identificadas se repitam.

BRASIL: Onda de ataques contra instituições de direitos humanos

Em 27 de agosto de 2019, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Sra. Damares Alves, demitiu a Coordenadora Geral do CNDH, instituição nacional de direitos humanos e principal órgão responsável pela investigação das violações de direitos humanos no país, em uma decisão publicada no mesmo dia no Diário Oficial. O CNDH havia escolhido sua Coordenadora Geral em dezembro de 2018, após a eleição de seus membros e do seu Conselho Executivo para 2018-2020, de acordo com os Princípios de Paris, que garantem autonomia e independência das instituições nacionais de direitos humanos. O cargo está agora vago.

" Esta demissão é apenas o último passo administrativo em uma onda de ataques contra a proteção dos direitos humanos no país ", alertou o Observatório. " Em movimento semelhante, em junho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro, por decreto, exonerou e acabaou com os salários de todos os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão responsável pelo monitoramento das condições das unidades penitenciárias e hospitais psiquiátricos [1], além dos consideráveis cortes orçamentários e modificações na composição de vários órgãos de monitoramento de direitos humanos ".

Desde 26 de agosto de 2019, o CNDH também está impedidoa de publicar suas recomendações, decisões e resoluções no site web do Ministério dos Direitos Humanos, ao qual está vinculado, para este fim. No mesmo dia, a Sra. Damares Alves recomendou que as declarações do CNDH fossem ignoradas e declarou que o Conselho estava "longe de se preocupar com os direitos humanos".

" A intervenção arbitrária do Ministério na administração do CNDH é uma violação flagrante aos Princípios de Paris. Ela põe em risco a continuidade de um monitoramento independente das violações dos direitos humanos no Brasil. A Coordenadora Geral escolhida pelos membros do CNDH deve ser readmitida imediatamente ", concluiu o Observatório.

O CNDH foi criado pela Lei n.º 12.986, de 2 de junho de 2014, e seu trabalho é orientado pelos Princípios de Paris, definidos pelas Nações Unidas em 1992, que garantem autonomia e independência administrativa ao órgão. Entre as atividades realizadas pela CNDH estão o monitoramento das políticas públicas de direitos humanos, a elaboração de propostas legislativas, a articulação com entidades públicas e privadas, como com os sistemas internacionais e regionais de direitos humanos.

Para mais informações, por favor contacte-nos:
 FIDH: Hugo Gabbero +33 6 48 05 93 93 93 93 / Email: hgabbero@fidh.org
 OMCT: Iolanda Jaquemet +41 79 539 41 06 / Email: ij@omct.org ; Miguel Martín: +41 22 809 49 39

O Observatório para a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos (o Observatório) foi criado em 1997 pela FIDH e pela Organização Mundial Contra a Tortura (OMCT). O objectivo deste programa é intervir para prevenir ou remediar situações de repressão contra os defensores dos direitos humanos. A FIDH e a OMCT são ambas membros do ProtectDefenders.eu, o Mecanismo para os Defensores dos Direitos Humanos da União Europeia implementado pela sociedade civil internacional.

[1]Ver Declaração Conjunta da Justiça Global, GAJOP e Organização Mundial contra a Tortura (OMCT) em 12 de junho de 2019: "Brasil: enfraquecer os principais órgãos anti-tortura é o primeiro passo para desmantelar o Estado de Direito". Disponível aqui: https://www.omct.org/statements/2019/06/d25382/

Brasil: Especialista da ONU visita Piquiá frente ao abandono do Estado

Entre o sábado 7 e a segunda-feira 9 de dezembro, o relator está no estado do Maranhão, onde as consequências desastrosas da mineração e da siderurgia sobre a saúde dos habitantes de Piquiá devido à poluição ambiental e sonora, denunciada há anos por nossas organizações, permanecem impunes. Após sua visita nessa área, o Relator interpelará as autoridades estaduais e federais sobre o caso do Piquiá, a partir de hoje, segunda-feira, na capital do Maranhão e em Brasília.

“Esperamos que esta visita dê maior visibilidade internacional a este caso, por tanto tempo ignorado pelo Estado, pressionando as autoridades para que a legislação ambiental seja reforçada e efetivamente implementada. Por sua vez, é necessário um forte apelo do relator à Vale, Viena Siderúrgica, Gusa Nordeste e Aço Verde Brasil e Cimento Verde Brasil (as três últimas do Grupo Ferroeste), para que essas empresas repararem integralmente os danos causados e cumpram com as regulamentações existentes”, afirmou Sandra Carvalho, vice-presidente da FIDH e coordenadora da Justiça Global.

O relator especial, que tem o mandato de monitorar os efeitos nocivos provocados por substâncias e resíduos perigosos, deve alertar os órgãos da ONU das violações constatadas na comunidade de Piquiá e apresentar recomendações.

Os moradores enfrentam com dignidade e perseverança, dia após dia, a louvável tarefa de lutar pelo exercício dos seus direitos violados. Enquanto a mudança para o novo bairro Piquiá da Conquista lhes dá esperanças, sua situação na comunidade continua grave.

A notícia encorajadora é que, mesmo diante dessa situação, a comunidade de Piquiá não desistiu. Apesar dos escassos recursos e apoio, os moradores conseguiram se organizar e exigir com que recursos fossem alocados para a construção de Piquiá da Conquista, onde vislumbram um futuro longe da poluição. No entanto, existe o risco de que as políticas de restrição orçamentária para os programas sociais do governo de Jair Bolsonaro afetem diretamente a conclusão desse projeto.

“Enquanto a comunidade de Piquiá continuar enfrentando problemas de saúde devido à poluição do ar e continuar exposta a resíduos tóxicos e perigosos que resultam do gerenciamento inadequado de resíduos por empresas siderúrgicas, não haverá reparação integral. A mensagem do relator também deve exigir garantias de não repetição, para que as gerações futuras de Piquiá possam usufruir do direito a um ambiente saudável”, disse Danilo Chammas, da Justiça nos Trilhos.

Hoje, solicitamos concretamente que o Estado brasileiro garanta a rápida conclusão e implementação das decisões judiciais e garanta reparação efetiva às famílias afetadas negativamente pela indústria de mineração, ferro gusa e aço; que processos investigativos sejam iniciados e imponham sanções às pessoas físicas e jurídicas responsáveis; que seja estabelecido um tempo específico e limitado para que as empresas se alinhem às normas legais atuais e apresentem garantias de não repetição; e que as empresas tomem as medidas necessárias para proteger as famílias dos resíduos tóxicos e parem imediatamente as operações sem licença.

Esperamos que a visita do relator especial sirva para colocar Piquiá de volta na agenda pública. Tuncak fará uma conferência de imprensa no dia 13 de dezembro de 2019 às 14h, em Brasília, onde ele compartilhará suas observações preliminares de sua visita a Piquiá, Brumadinho e Recife. O Relator Especial apresentará um relatório completo com sua análise e recomendações ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2020.

Brasil: Pandemia afeta desproporcionalmente as comunidades afetadas pela poluição de empresas e esquecidas pelo Estado

O Brasil tornou-se a maior foco de contaminação do Covid-19 na América Latina, somado à gestão negligente do governo de Jair Bolsonaro, que irresponsavelmente minimizou o problema, semeando a discórdia e a instabilidade, ameaçando seriamente a vida das comunidades mais vulneráveis como Piquiá de Baixo, impactadas durante décadas pela poluição derivada dessas empresas.

Apesar da crise sanitária, empresas como a Viena Siderúrgica e a Aço Verde Brasil, que fazem parte da cadeia de distribuição da Vale S.A., continuam operando como sempre, colocando em risco a vida de centenas de pessoas vulneráveis. Os habitantes de Piquiá de Baixo sofrem de importantes doenças respiratórias crônicas que tornam os mais jovens e os mais velhos extremamente vulneráveis à pandemia. Apesar de estarem conscientes dos sérios riscos que elas mesmas têm causado, até o momento, as empresas não têm adotado medidas adequadas de prevenção e assistência aos seus trabalhadores e aos habitantes de Piquiá, uma vez que continuam a operar. Por sua vez, a Gusa Nordeste demitiu várias centenas de trabalhadores, deixando-os em condições incertas, com sérios problemas de saúde e em meio a um reassentamento inacabado.

O Governo Federal, por sua vez, continua, como vem fazendo há décadas, a não garantir benefícios adequados à saúde e até mesmo a infringir as recomendações da OMS. Agora é urgente garantir o acesso a cuidados, material de prevenção e atendimento médico acessível. Caso contrário, a disseminação da COVID-19 entre os membros da comunidade seria quase uma sentença de morte.

"O direito à vida e à saúde não pode ser sacrificado aos interesses econômicos e à sede de lucro das empresas. O meio ambiente já é sacrificado há décadas, e isso tem tido um impacto irreversível na saúde. As empresas não podem lavar as mãos da sua responsabilidade na situação atual. Ainda mais se considerarem encerrar as atividades, quem irá reparar as pessoas afetadas e reabilitar o meio ambiente?"

Maria Isabel Cubides - Responsável pelo programa de globalização e direitos humanos- FIDH

Esta situação crítica se agravou nas últimas semanas como resultado da violenta inundação de casas na comunidade de Piquiá de Baixo, após a quebra de vários tanques de criação de peixes, deslocando 253 pessoas e destruindo seus pertences e pelo menos 25 casas. Atualmente 17 famílias permanecem desabrigadas.

“A comunidade de Piquiá de Baixo não pode ser condenada a viver em estado permanente de calamidade. As soluções que a própria comunidade tem corajosa e insistentemente apresentado ao poder público e às empresas têm sido desmanteladas. Exigimos medidas rigorosas para garantir o direito à saúde”

Danilo Chammas, Justiça nos Trilhos

Piquiá é um caso emblemático da necessidade de equilíbrio e proteção dos direitos à saúde e ao trabalho. As decisões tomadas pela maioria das empresas têm privilegiado o lucro às custas da destruição do meio ambiente e da saúde humana. Se as medidas necessárias fossem tomadas, a contradição trabalho vs saúde e preservação ambiental vs benefícios econômicos ficariam sem base.

Conclamamos as autoridades que garantam o acesso aos cuidados de saúde e materiais, o abrigo imediato das famílias afetadas pelas enchentes, e que garantam a continuidade e aceleração do reassentamento.

A União Europeia deve reagir à crise da democracia e do Estado de Direito no Brasil

Desde o primeiro caso de COVID-19 no país, confirmado em 26 de fevereiro, já foram identificados, segundo dados oficiais, mais de meio milhão de casos de COVID-19 no Brasil; enquanto mais de trinta mil pessoas morreram. Muitos temem que esses números sejam subestimados pelo governo e o Brasil já é considerado por especialistas como o novo epicentro da pandemia.

A resposta das autoridades à pandemia alimentou o caos político. O presidente minimizou repetidamente a gravidade da situação, chamando a COVID-19 de "gripezinha", incentivando a população a desobedecer às medidas de isolamento social e quarentena adotadas pelas autoridades locais, ordenando a proibição da publicação de estatísticas oficiais ligadas à pandemia. Dois ministros da saúde renunciaram sucessivamente. A posição permanece vaga no momento em que estamos redigindo a presente carta.

Em meio a essa crise de saúde e ao longo dos últimos meses, o Presidente Bolsonaro tem alimentado e se aproveitado da ansiedade popular, para organizar sua base de apoiadores contra os pilares da democracia, como o judiciário e a mídia independente, e tememos que ele possa usar a crise do COVID-19 para se envolver em retrocessos significativos a longo prazo nos direitos humanos.

O presidente incentivou repetidamente seus apoiadores a participarem de manifestações que espalham mensagens antidemocráticas, o que levou a grandes manifestações de protesto contra os pilares da democracia brasileira. Eles pedem um golpe militar e a paralisação do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.

A retórica agressiva do presidente Bolsonaro, atacando e minando a imprensa, também incentivou muitos de seus apoiadores a insultar jornalistas online e offline. Ataques físicos violentos foram relatados, mas não foram condenados pelo presidente, levando várias organizações de mídia importantes a parar de acompanhar o presidente fora da sua residência presidencial como sinal de protesto. A ideologia racista também está presente em atos pró-Bolsonaro, com manifestantes exibindo símbolos referenciando o grupo supremacista branco Ku Klux Klan, bem como regimes nazistas e fascistas.

Esses ataques à democracia ocorrem em um contexto em que quase metade dos ministros e cerca de 3.000 funcionários dos Ministérios são militares. Outros funcionários do alto escalão do governo também fizeram declarações contra a democracia e o Estado de Direito. O ministro da Educação, por exemplo, pediu a prisão dos juízes do Supremo Tribunal Federal, uma medida assustadora que não provocou nenhuma reação do presidente Bolsonaro. Outros membros do governo, muitos dos quais vêm do setor militar, fizeram tentativas semelhantes para intimidar os poderes judiciário e legislativo. Isso é motivo de grande preocupação, principalmente considerando a ditadura militar do Brasil. Os riscos de um golpe de estado nunca foram tão altos.

Paralelamente à crise política incitada pelo presidente Bolsonaro e pelas ações de seu governo, a atual situação de saúde pública também é extremamente preocupante, pois as autoridades federais têm sido incapazes de liderar uma resposta nacional adequada à pandemia do novo coronavírus. O descrédito deliberado do governo de evidências científicas e recomendações médicas resultou em dezenas de milhares de vítimas e afetou desproporcionalmente populações pobres, negras, indígenas e quilombolas. Enquanto escrevemos, o Brasil está registrando uma taxa de mais de 1.000 mortes por período de 24 horas. Embora os especialistas temam que o pico da pandemia ainda não tenha sido atingido, Bolsonaro vetou na semana passada o uso de um fundo de assistência emergencial destinado a apoiar as comunidades afetadas. O governo também tentou ocultar dados cumulativos da pandemia e atrasou a divulgação de dados sobre novos casos e vítimas. No domingo passado, as autoridades tiraram do ar o site do governo com dados da série histórica de casos, que só voltaram a ser publicados após uma ordem do Supremo Tribunal Federal. Desde ontem, o governo tentou melhorar sua resposta à crise - mas as mudanças foram apenas superficiais.

Esta situação profundamente preocupante foi recebida em silêncio pela União Europeia. É essencial que a comunidade internacional condene os ataques contra a democracia e o estado de direito perpetrados pelo governo Bolsonaro, bem como seu fracasso em responder adequadamente à propagação da pandemia no Brasil.

Os tratados fundadores da União Europeia estabelecem o fortalecimento e o apoio à democracia, ao Estado de direito, aos direitos humanos e aos princípios do direito internacional como um dos principais objetivos da política externa do bloco. Por isso, pedimos que a União Europeia:

Manifeste publicamente sua grave preocupação com a situação no Brasil, em particular os recentes ataques perpetrados pelo governo brasileiro contra a democracia e o Estado de direito, principalmente a independência do judiciário.

Use todos os canais diplomáticos para instar as autoridades federais brasileiras a deixarem imediatamente de fazer declarações que prejudicam o Estado de direito, em particular através de apelos a um golpe militar e ataques contra a independência do judiciário; parar de incentivar a violência contra a mídia independente; bem como parar de usar a retórica racista para incitar o ódio e a violência.

Permanecemos disponíveis para mais informações e esperamos receber sua resposta.

Com os melhores cumprimentos,

Conectas Direitos Humanos
Justiça Global
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
International Federation for Human Rights – FIDH

Brasil: Especialista da ONU apresenta conclusões alarmantes e pede que a comunidade de Piquiá seja realocada e reparada

No relatório, o Relator Especial sobre substancias tóxicas e perigosas, Marcos Orellana, destaca que "em todo Brasil, as fábricas e instalações estão situadas em uma proximidade inimaginável às comunidades, que são objeto de graves violações de seus direitos humanos". Também destaca a situação de Piquiá. Este caso mostra como cada vez mais o Brasil está sendo explorado pelas cadeias de valor mundiais "aproveitando-se da debilidade das normas e da supervisão e efetivação destas."

Em sua intervenção durante o 45º Período Ordinário de Sessões do Conselho de Direitos Humanos, na sede das Nações Unidas, em Genebra, o especialista das Nações Unidas declarou que "as empresas implicadas em claros abusos de direitos humanos, incluída a Vale, deveriam ser responsabilizadas do que pode ser descrito como delitos ambientais e laborais". Diante da degradação da situação dos direitos humanos e da proliferação de abusos empresariais no Brasil, o Relator Especial fez um firme chamado à ação, recomendando que o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas realize uma investigação internacional sobre a situação atual dos direitos humanos no Brasil, assim como una sessão especial sobre a proteção da Amazônia e os direitos humanos, garantindo a participação ativa de todas as partes interessadas.

Em um relatório publicado em 2011, a FIDH, a Justiça nos Trilhos e a Justiça Global denunciaram os abusos por parte das empresas e a negligência do Estado em relação à comunidade de Piquiá, no Estado do Maranhão. Desde aquela época, as organizações têm apelado repetidamente à comunidade internacional, inclusive ao Relator Especial das Nações Unidas sobre substâncias perigosas, para que pressione o Brasil e solicite uma rápida reparação. Em maio de 2019, a FIDH e a Justiça nos Trilhos publicaram um segundo relatório em que se relatava a notável luta encabeçada pela comunidade de Piquiá diante da persistência das violações, assim como os riscos que rodeiam a finalização do projeto de realocação da comunidade, duramente conquistado. Isso levou a uma visita do antecessor do Sr. Orellana, Baskut Tuncak, em dezembro de 2019.

A FIDH dá as boas-vindas ao relatório do Relator Especial sobre Brasil, que constitui um alerta a mais sobre a magnitude dos abusos empresariais e a falta de responsabilização no país. O trabalho de Tuncak y Orellana dá visibilidade à luta da comunidade por seus direitos e corrobora desde o sistema das Nações Unidas o duro diagnóstico descrito nos relatórios da FIDH.

Brasil: Campanha destaca o impacto prejudicial da atividade mineradora sobre a saúde e o meio ambiente

Esta campanha, lançada para marcar os 30 anos do Grupo Ferroeste no município de Açailândia, convida a todos a apoiar a luta pelos direitos desta comunidade, para a qual as empresas e o Estado fecharam os olhos durante tanto tempo... Enquanto o governo e as empresas não assumem suas responsabilidades e agem como se tudo estivesse bem, a situação continua a ser catastrófica.

O vídeo "Um convite para Piquiá de Baixo" convida ironicamente os responsáveis diretos por estas violações a viverem em sua própria pele as consequências de suas ações. Representantes das empresas multinacionais, do Estado e do setor político em geral têm um espaço preferencial nesta mesa de banquete, para degustar "água e peixe contaminados, frutas cobertas com pó de ferro" - ao lado dos moradores da comunidade que suportam tais condições no dia-a-dia.

"Em todo o mundo consumimos inconscientemente aço contaminado por violações atrozes por empresas irresponsáveis", disse Maria Isabel Cubides, pesquisadora do escritório de globalização e direitos humanos da FIDH.

"Ao compartilhar este convite a Piquiá, esperamos que o público apoie a comunidade em sua luta, exigindo que as empresas finalmente assumam a responsabilidade e reparem plenamente os danos que causaram."

Maria Isabel Cubides, pesquisadora do escritório de globalização e direitos humanos da FIDH.

Há mais de dez anos, a FIDH apoia a luta da comunidade de Piquiá de Baixo. Realizou repetidas missões, alertou sobre sua situação precária e emitiu recomendações para empresas e autoridades através de relatórios (em 2011 e 2019) e comunicados (links). O Relator Especial da ONU sobre Substâncias Perigosas e Resíduos Tóxicos, também solicitou que fossem disponibilizados os recursos necessários para reassentar esta comunidade e solicitou o Governo brasileiro e as empresas envolvidas a fazer um pedido oficial de desculpas à comunidade, proporcionar reparação aos detentores dos direitos violados. Nada disso aconteceu até hoje.

Após décadas de abandono e negligência, a comunidade de Piquiá de Baixo exige ser ouvida. Ajude-nos a divulgar sua voz e a obrigar os responsáveis a reparar os danos causados. Ajude-nos a dar esperança a comunidade. Eles não merecem continuar vivendo desta maneira, ninguém merece.

Assine aqui para apoiar a luta de Piquiá

Brasil : Morte de defensores de direitos humanos por Covid-19 é consequência do desmantelamento de políticas sociais e a negligência do governo brasileiro

A Covid-19 aprofundou as desigualdades socioeconômicas no Brasil, que se aproxima dos 250.000 mortos pela doença, uma consequência do subinvestimento crônico no Sistema Único de Saúde (SUS) e a ausência de uma política efetiva de contenção dos danos causados pela pandemia. Esta situação vem afetando, principalmente, a vida da população em situação de vulnerabilidade, como a população negra empobrecida, das comunidades tradicionais, dos povos indígenas, mulheres, comunidade LGBTIQ+ e moradores de favelas e periferias. Muitos dos afetados são lideranças de seus grupos e defensores dos direitos humanos.

Os desmontes e ataques ao SUS agravam o quadro da Covid-19 no Brasil e impactam diretamente na atuação de defensoras e defensores de direitos humanos ”, reforça a pesquisadora da Justiça Global, Daniele Duarte.

Cortes no orçamento da saúde em plena crise da Covid-19

O relatório, intitulado “O Impacto da Covid-19 na Defesa dos Direitos Humanos no Brasil”, denuncia medidas tomadas pelo governo brasileiro, especialmente pelo Poder Executivo, com o objetivo de restringir a transparência na gestão da pandemia, a exemplo das mudanças na Lei de Acesso à Informação (LAI). Além disso, diante da crise, o governo propôs uma redução no orçamento destinado ao Ministério da Saúde para 2021. Segundo dados do Conselho Nacional de Saúde, há uma previsão de corte de R$35 bilhões (aproximadamente 5 bilhões de euros) no orçamento destinado ao SUS. 

Da mesma forma, a Emenda Constitucional 95 de 2016 já prejudicava seriamente a efetivação dos direitos à assistência social, educação e saúde. O fundo de ajuda emergencial estabelecido pelas autoridades em resposta à pandemia tem sido insuficiente, consistindo apenas em um cheque mensal de valor limitado para trabalhadores informais, desempregados e familiares vulneráveis. O relatório ainda traz à tona o descumprimento do distanciamento social e negligência por parte do presidente Jair Bolsonaro e demais autoridades, nas aparições públicas e discursos negacionistas, que minimizam constantemente os efeitos da doença.

A FIDH e a Justiça Global já haviam advertido sobre esta situação no ano passado [2].

Povos indígenas são os mais afetados pelas violações sistemáticas do governo brasileiro no (des)enfrentamento à Covid-19

Populações indígenas carecem de imunidade a muitos patógenos, o que as torna mais expostas a complicações relacionadas à Covid-19, e moram geralmente em regiões remotas da Amazônia que não dispõem de infraestruturas hospitalares e saneamento básico.

Até janeiro, já tinham sido contaminados pela doença cerca de 50 mil indígenas de mais de 160 etnias, com mais de mil mortos, segundo informações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Entre eles, estão defensores de direitos humanos e líderes reconhecidos internacionalmente, como os caciques Aritana Yawalapiti e Paulinho Paiakan, o pajé Guarani Gregório Venega, os anciãos WariniSurui, Acelino Dace, Artemínio Antônio Kaingáng, Elizer Tolentino Puruborá, Puraké Assuniri e João Sõzê Xerente. O relatório inclui uma lista de 92 defensores e defensoras dos direitos humanos que perderam a vida devido à Covid-19 entre março e agosto de 2020.

A falta de apoio e total inércia dos órgãos governamentais levou à múltiplas mortes de defensores e defensoras dos direitos humanos brasileiros. Instamos as autoridades tomar medidas para oferecer uma proteção específica e especial às pessoas defensoras de direitos humanos em situação de maior vulnerabilidade em frente à Covid-19, como povos indígenas, quilombolas, população LGBTIQ+, acampamentos rurais do movimento sem-terra, e todos aqueles considerados grupos de risco ”, concluiu o Observatório.

Leia o relatório completo nos sites da FIDH, da OMCT e da Justiça Global

O Observatório para a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos (o Observatório) foi criado em 1997 pela FIDH e a Organização Mundial contra a Tortura (OMCT). O objetivo deste programa é prevenir ou remediar situações de repressão contra os defensores dos direitos humanos. FIDH e OMCT são ambos membros da ProtectDefenders.eu, o Mecanismo de Defesa dos Direitos Humanos da União Europeia implementado pela sociedade civil internacional.

A Justiça Global é uma organização não governamental de direitos humanos brasileira que trabalha com a proteção e promoção dos direitos humanos e o fortalecimento da sociedade civil e da democracia. Nesse sentido, nossas ações visam denunciar violações de direitos humanos, incidir nos processos de formulação de políticas públicas baseadas nos direitos fundamentais, impulsionar o fortalecimento das instituições democráticas, e exigir a garantia de direitos para os excluídos e vítimas de violações de direitos humanos.

Contatos de imprensa:
FIDH: José Carlos Thissen, + 51 95 41 31 650
OMCT: Iolanda Jaquemet, +41 79 539 41 06
Justiça Global: Camila Fiuza +55 71 98242 97 74

#IronMadeIn Brasil: Relatório revela as violações dos direitos humanos da indústria do ferro na cadeia de fornecimento

O relatório está também disponível em inglês.

O relatório, intitulado Heavy metal: Das minas exploradas de forma abusiva aos bens de consumo globais, a viagem do ferro brasileiro, emite recomendações à Vale, S.A., compradores e outras empresas ao longo da cadeia de fornecimento, alertando-os para os abusos desenfreados e levando-os a examinar e a agir de acordo com as suas obrigações de devida diligência em matéria de direitos humanos. O relatório é lançado apenas um dia depois que a Comiḉão Européia emitiu sua proposta de Diretiva de Due Diligence Empresarial Sustentável, que estabelece requisitos para que as empresas conduzam processos de due diligence de direitos humanos e ambientais.

O ferro brasileiro proveniente do corredor Carajás é transformado em componentes de bens em indústrias globais que vão desde infra-estruturas automóveis até a tecnologia. As cadeias de fornecimento de ferro e aço são longas, complexas e opacas, tornando difícil responsabilizar os actores empresariais ao longo da cadeia de produção pelos direitos humanos e impactos ambientais que ocorrem nas camadas mais baixas das suas cadeias de fornecimento.

"O ferro e o aço do corredor Carajás estão carregados de violações aos direitos humanos e ambientais. As multinacionais globais que adquirem ferro de Carajás precisam olhar com atenção para as suas cadeias de fornecimento e além disso, precisam ser responsabilizados por tais violações. Não podem continuar a depender de fornecedores como a Vale – responsável por repetidos colapsos mortais de barragens – sem levantar questões sobre direitos humanos. ”

Maria Isabel Cubides, encarregada de programa no balcão de globalização e direitos humanos da FIDH.

O Projeto Grande Carajás – que se estende do sudeste do Pará à cidade de São Luís, capital do Maranhão, no leste da Amazônia – proporciona “um dos maiores fluxos de minério de ferro no comércio global,” de acordo com uma recente publicação do Observatório dos Conflitos da Mineração Mineiros no Brasil. E está assolado por graves problemas, incluindo “desmatamento, apropriação de terras, conflitos no campo, e violações contra os povos indígenas.” A expansão e intensificação das atividades extrativas – combinadas com a negligência da devida diligência – gera graves impactos ambientais e ameaça os direitos humanos.

O Brasil é o maior exportador mundial de minério de ferro. Dois terços das exportações de minério de ferro de Carajás foram enviados para a China e Malásia (janeiro a setembro de 2021). As empresas europeias constituem uma parte significativa dos compradores corporativos, incluindo Arcelor Mittal e TataSteel.

"O minério de ferro que é explorado no Brasil não pode ser comercializado às custas de mortes e do empobrecimento das pessoas. Tão pouco é aceitável que os direitos da natureza sejam negados para que empresas, compradores de ferro e de aço e demais atores envolvidos sejam beneficiados e tenham seus lucros crescendo a cada ano. Infelizmente essa é uma realidade que vivemos.”

Larissa Santos, da Justiça nos Trilhos.

A União Europeia está à beira de (ou acaba de) publicar/publicar uma proposta de Diretiva de Due Diligence Empresarial Sustentável, que introduz novas regras sobre como a sustentabilidade deve ser incorporada às estratégias empresariais de longo prazo. Por exemplo, ela inclui tanto regras obrigatórias de devida diligência para que as empresas reduzam os abusos ambientais e laborais nas cadeias de fornecimento corporativas. As experiências de Piquiá de Baixo (ver mais abaixo) e de outras comunidades afetadas negativamente pelo corredor Carajás devem sensibilizar os legisladores da UE quando esses decidirem os requisitos de tal lei, de modo que abordem efetivamente os impactos aos direitos humanos e ambientais no final das cadeias de fornecimento das mineradoras.

Em 25 de Janeiro de 2022, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) anunciou que iria abrir discussões sobre a adesão com seis países, incluindo o Brasil. O país tenta, há mais de uma década, alinhar-se com os instrumentos da OCDE para alcançar a plena adesão, o que lhe traria enormes vantagens económicas e políticas. Tais vantagens não devem ser concedidas se o Brasil não melhorar o seu desempenho ambiental e em matéria de direitos humanos, como demonstra o relatório hoje publicado.

Antecedentes

Desde 2010, a FIDH e a Justiça nos Trilhos (JnT), colaboram para denunciar os abusos dos direitos humanos da indústria siderúrgica na comunidade de Piquiá de Baixo (Maranhão, Brasil), uma das muitas comunidades do corredor de Carajás que sofreram os efeitos negativos da atividade mineradora. A partir de uma avaliação de impacto dos direitos humanos realizada em 2011, a FIDH e a JnT documentaram e denunciaram os impactos da indústria siderúrgica sobre os direitos humanos à saúde, um ambiente saudável, moradia adequada, vida, integridade física, informação e participação, e acesso à justiça. Oito anos depois, um relatório de monitoramento denunciou a persistência de violações de direitos humanos devido a ações e omissões de atores públicos e privados, incluindo a Vale S.A.

Desde então, as organizações instaram repetidamente a comunidade internacional, incluindo o relator especial da Nações Unidas (ONU) sobre Substâncias Tóxicas, a pressionar o Brasil e as empresas responsáveis e pedir reparação imediata. Em setembro de 2020, o relator especial das Nações Unidas sobre substâncias tóxicas, Marcos Orellana, apresentou seu relatório sobre o Brasil perante o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ele ressaltou a necessidade de recursos para reassentar a comunidade de Piquiá de Baixo e exortou o governo, a Vale e outras empresas a prover reparação pelo “que só pode ser descrito como crimes ambientais e ocupacionais” à comunidade que, segundo seu antecessor, Baskut Tuncak, tem sido “envenenada por décadas.

Em novembro de 2020, a FIDH e a JnT conduziram uma campanha internacional de conscientização para chamar a atenção para o impacto tóxico da atividade mineradora. O vídeo da campanha foi visto por milhões de pessoas e compartilhado por milhares em todo o mundo, com a hashtag #AnInvitationToPiquia.

Roteiro robusto de requisitos da OCDE pode impulsionar reformas importantes no Brasil

Com a definição de metas e objetivos, o Brasil e os demais países devem demonstrar não apenas seu compromisso com os padrões da OCDE no papel, mas a partir do cumprimento efetivo de leis e políticas governamentais - bem como em conduta empresarial responsável. Embora este seja apenas o início de um longo processo de acessão, o roteiro é um passo ambicioso e incentiva os comitês da OCDE, os estados membros e o Brasil a colocarem a proteção do meio ambiente e o respeito pelos direitos humanos no centro da discussão. O documento, que tem uma abordagem mais baseada em princípios da OCDE do que os anteriores, mostra que os processos de acessão podem impulsionar melhorias nas políticas e práticas nacionais.

Apesar do Brasil ter demonstrado interesse em cumprir com os valores da OCDE na defesa do Estado de direito, proteção dos direitos humanos e sustentabilidade ambiental, o país ainda tem grandes lacunas de governanças. Como aponta pesquisa recente da Conectas, FIDH e OECD Watch, o governo brasileiro deve fazer mudanças significativas na sua postura para, de fato, garantir a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos. Embora o Brasil tenha aderido a 103 dos 251 instrumentos normativos da OCDE, o próximo passo é avaliar a conformidade do país com os padrões e princípios da entidade sediada em Paris, França.

Veja alguns pontos do roteiro dos países que estão no processo de acessão e as barreiras que o Brasil apresenta para cumpri-los, de acordo com organizações da sociedade civil:

• “Garantir estratégias ambientais e climáticas eficazes e ambiciosas que demonstrem uma implementação real e sem retrocessos, incluindo o investimento na resiliência e adaptação climática como parte da agenda nacional de desenvolvimento”. O governo brasileiro não demonstrou compromisso com a agenda climática. Desde a adoção do Acordo de Paris em 2015, as emissões líquidas do país aumentaram 12%. Ainda mais alarmante, desde a promulgação da lei climática (Lei nº 12.187/2009), o país aumentou suas emissões em mais de um quarto.

• “Adotar políticas para deter e reverter a perda de biodiversidade, desmatamento e degradação da terra, respeitando e efetivando os direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas”. Em 2019 e 2020, as taxas de desmatamento no Brasil atingiram as máximas da década. Em comparação com 2018-2019, as taxas de desmatamento dentro de áreas protegidas aumentaram mais de 40% em 2019-2020. Além disso, cerca de 94% do desmatamento nos últimos dois anos foi ilegal. Os incêndios florestais também aumentaram na Amazônia. Em outras áreas, a situação também preocupa. Só em 2020, houve queimadas em mais de 30% do Pantanal brasileiro, causando imensa perda de biodiversidade.

• “Garantir a aplicação efetiva das leis ambientais, fortalecendo a capacidade das agências relevantes e garantindo a participação da sociedade civil”. A aplicação da legislação ambiental no Brasil é deficiente há muito tempo. Importantes órgãos de proteção ambiental têm sofrido escassez de recursos, limitações jurisdicionais e mudanças arbitrárias em seus conselhos de administração, inibindo sua independência e eficácia.

• Combater a impunidade dos crimes ambientais e garantir que a violência e as ameaças contra os defensores do Meio Ambiente sejam rigorosamente investigadas e processadas. O Brasil continua sendo um dos países mais perigosos para defensores da terra e do meio ambiente no mundo. Em 2020, o Relator Especial da ONU sobre a Situação dos Defensores de Direitos Humanos informou que 174 defensores foram mortos no país no período entre 2015 e 2019.

• Implementar requisitos para avaliações ambientais com medidas de transparência e participação significativa, prévia e contínua de comunidades vulneráveis, indígenas e locais. No Brasil, os direitos dos povos indígenas foram ameaçados devido à descontinuidade de centenas de conselhos sociais e colegiados que possibilitam a participação popular. Pelo menos três desses conselhos ou diretorias ligados aos povos indígenas foram fechados pelo governo de Jair Bolsonaro. Da mesma forma, representantes indígenas perderam seus assentos no Conselho Nacional do Meio Ambiente.

• “Demonstrar evidências de compromisso e medidas efetivas para promover a conduta empresarial responsável, incluindo especificamente no que diz respeito ao respeito aos direitos dos povos indígenas”. Importante destacar que para além da responsabilidade das empresas, o governo precisa fortalecer a proteção dos direitos trabalhistas e sociais. A Reforma Trabalhista não cumpriu com as promessas de mais empregos e melhores condições de trabalho. Além disso, houve uma série de ataques a instrumentos e instituições que combatem o trabalho análogo ao escravo. Também houve cortes no orçamento de diversas políticas públicas que promovem o bem estar social.

Espera-se que mais de 20 comitês da OCDE estejam envolvidos na revisão técnica do roteiro. Em seguida, esses órgãos devem fornecer um parecer oficial ao Conselho da OCDE – o órgão decisório da organização – sobre o preparo do Brasil para ingressar na OCDE. A análise deve ter como objetivo defender os mais altos padrões de proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente – e pressionar o Brasil a avançar nas questões que não foram abordadas até agora, incluindo medidas contra o trabalho forçado, direitos dos indígenas, comunidades quilombolas e outras comunidades rurais e tradicionais. Ainda que o “roadmap” seja amplo, espera-se que os comitês da OCDE adotem um entendimento completo, de modo a garantir a implementação adequada dos mais altos padrões internacionais, interpretando qualquer ambiguidade sob o princípio pro persona.

Para FIDH, Conectas e OECD Watch, é essencial que o processo de revisão dos comitês seja o mais transparente e inclusivo possível. Assim, as entidades instam os comitês a abrirem espaços de consulta e compartilhamento de informações com todos os interessados durante todo o processo de acessão.