Costa do Marfim

Urgência em travar a escalada rumo à guerra civil

Na sua nota de regresso de missão, a publicar na semana que vem, a FIDH dá conta de confrontos armadas ocorridos todos os dias em vários bairros de Abobo, Koumasi, Yopougon e Abidjã, entre os elementos das forças de defesa e de segurança (FDS), fiéis a Laurent Gbagbo, com o apoio supletivo de milicianos, e o « commando invisível » pró-ouattara. Os responsáveis pela missão recolheram depoimentos de numerosos civis que fugiam a bombadeamentos, combates de rua, extorsões, assassínios ou ainda detenções arbitrárias.

« A situação no país é muito grave. Os combates travam-se continuamente. Há dois dias que não tenho água nem electricidade. Quase que não saímos de casa. Tudo se tornou complicado: as escolas encerraram, o mercado está quase deserto e os preços dispararam. Arranjar comida já se torna impossível » declarou à missão uma pessoa que acabava de partir do bairro Colatier, em Abobo.

Os discursos incendiários, proferidos sobretudo pela facção Gbagbo e principalmente pelo ministro da juventude do governo Gbagbo, Sr. Charles Blé Goudé, difundidos por certos meios de comunicação social, são seguidos de actos e violência perpetrados contra a população e contra as forças das Nações Unidas. Enquanto prosseguem os combates, vai-se travando outra « guerra » encarniçada, dos meios de comunicação social e da comunicação. Artigos insultuosos contra o presidente Ouattara, a instigação ao ódio contra a ONU e os estrangeiros, por um lado, e a recente destruição do emissor da rádiotelevisão marfinense (RTI), pelo outro, demonstram a determinação das duas facções em adoptar uma estratégia de tensão. A agravar a situação, no dia 25 de Fevereiro, o Conselho Nacional da Imprensa (CNP) – organismo regulador da imprensa marfinense, cujos anteriores, considerados demasiado reticentes relativamente à política de Laurent Gbagbo foram demitidos das suas funções em princípios de Fevereiro e, depois, substituídos por homens mais próximos deste – anunciou a suspensão por uma semana do diário Le Nouveau Réveil, e impôs uma multa de 2 milhões de francos CFA aos jornais Le Patriote, Le Jour Plus e Nord-Sud Quotidien, todos próximos de Ouattara.

As liberdades públicas e individuais encontram-se sujeitas a controlo : a liberdade de circulação está restringida nomeadamente pelos Jovens Patriotas e por milicianos armadas, a liberdade de imprensa é desrespeitada e a liberdade de expressão dependente da pertença a um lado ou a outro. Neste contexto, os defensores dos direitos humanos que tentam fornecer informação objectiva sobre a situação sofrem ameaças com regularidade.

A crise política nascida do contencioso eleitoral, o embargo e as manobras do clã Gbagbo para manter o controlo sobre a economia mergulham o país numa situação económica e social dramática. Os marfinenses têm os nervos em franja. Neste contexto, quaisquer reacções populares correm o risco de tornar-se totalmente descontroladas.

Perante esta situação, a mediação da União Africana atingiu um impasse e a Missão da Organização das Nações Unidas na Costa do Marfim (ONUCI) mostra-se incapaz de cumprir o seu mandato de protecção da população civil.

« A recusa de Laurent Gbagbo em abandonar o poder conduz o país à guerra. A situação está a degenerar e a sua responsabilidade, bem como dos seus partidários, estão comprometidas, incluindo face ao direito penal internacional » declarou Roger Bouka, Secretário-Geral da FIDH que participou na missão enviada à Costa do Marfim.

« A União Africana não tem o direito a fracassar na Costa do Marfim. A mediação deve resultar, com urgência, numa solução que garanta o respeito pela vontade popular expressa pelos marfinenses nas urnas. Qualquer outro resultado constituiria um aval passado às aventuras antidemocráticas e às soluções conflituosas em todo o continente », declarou Sidiki Kaba, Presidente honorário da FIDH.

Neste momento, as Nações Unidas já se encontram entravadas no seu mandato de protecção da população civil. Qual seria a sua capacidade de intervenção em caso de generalização do conflito? Existe o risco de que a organização se veja relegada para o papel de espectadora do drama marfinense. « A ONUCI deve ver imediatamente reforçadas as suas capacidades de intervenção – nomeadamente com o envio dos 2000 capacetes azuis suplementares previstos na resolução 1967 do Conselho de Segurança e que ainda não foram posicionados no terreno – e agir com uma atitude interveniente e não defensiva; uma Comissão de Inquérito internacional deve poder deslocar-se ao país o mais depressa possível a fim de investigar as graves violações registadas; e o procurador do tribunal penal internacional deve abrir inquérito sobre os crimes cometidos na Costa do Marfim », afirmou Souhayr Belhassen, presidente da FIDH.